22 de fevereiro de 2010

Dia Hospitaleiro, 21 de Fevereiro de 2010

O nosso grupo foi convidado a fazer um Dia Hospitaleiro na Casa de Saúde do Espírito Santo. Muito bem acompanhados, os elementos do nosso grupo, atravéz do voluntariado, ajudou e animou alguns momentos na vida das doentes. No fim do dia, e após uma reflexão, o grupo concordou que tinha sido uma experiência fantástica que deseja repetir.


Também nos foi dado a conheçer um movimento cristão - JH - Juventude Hospitaleira. Grupo este, espalhado por Portugal inteiro em que cada inscrito se compremete a realizar pelo menos duas tarefas por ano. Para mais informações, aceder a:   http://www.juventudehospitaleira.org/ 

Abaixo, encontra-se duas crónicas de dois dos elementos do nosso grupo sobre a actividade.

------- Crónica 1 -------
"De certo modo, mesmo fora do Carnaval usamos máscaras! Apesar de estas serem materiais no Carnaval, a verdade é que ao longo da nossa vida, e conforme as circunstâncias, adoptamos constantemente máscaras de personalidade de modo a escondermos os nossos medos, os nossos receios, os nossos pontos mais fracos. Todavia o GJSM presenciou um lugar, onde nenhuma destas fantasias reina entre os seus inquilinos.


No passado domingo o GJSM participou numa actividade única na Casa de Saúde de São Rafael: O Dia do Hospitaleiro. A ajuda que prestamos aos doentes, que apenas mostram aquilo que são, faz-nos reflectir acerca do Mundo que nos rodeia e dá-nos um duro exemplo dos casos mais tristes da vida.

Na verdade, dizer que tanto esta experiência foi no inicio chocante, mas com o passar das horas de convivência com os doentes despertou em nós um espírito de solidariedade, de ajuda, que se reflectiu na nossa satisfação pessoal, não podia estar mais correcto.

Certamente habita em nós, agora, um espírito de paz pessoal e realização. A experiência ficou nas nossas memórias e esperamos repeti-la brevemente."

Nelson Pereira, 21 de Fevereiro de 2010

------- Crónica 2 -------
"Um Jogo de Verdadeiro/Falso"


"Ontem senti a necessidade de reler o significado da palavra “voluntariado”. Um dicionário português respondeu-me: “ s. m. situação de voluntário, de quem se oferece para” – é falso!

Entrei numa casa de senhoras debilitadas (mais propriamente, com doenças mentais) para fazer “voluntariado”! Para ser sincero, antes, conhecia tal palavra por: “aqueles que ajudam os outros em troca de nada”.

Ao caminhar até á porta, na minha cabeça ia o pensamento “Rúben, tu és um rapaz sociável! Vais chegar lá e vais te safar na boa, é só dizeres “Hoje a senhora está muito bonita”; “Oh que nome lindo que a senhora tem”” – Senhora? A Senhora está é no Céu… O primeiro contacto foi cru, a minha voz ficou calada, os meus ombros encolheram e a minha testa franziu; a minha cabeça tentava processar milhares de imagens e milhares de sons ao mesmo tempo, nela só me ia: “Rúben, tens de te chegar mais para aqui! Tens de te pôr detrás das auxiliares, assim ninguém te chega! Essa tem de se ir embora! Espero que esta não faça nada! Vai-te embora! Vai-te embora!” – parecia que estava à defesa nas trincheiras da segunda guerra mundial, sem munições.

Passado esse momento veio outros mais calmos. A missa confortou-me, era das poucas coisas familiares que me soaram bem nesse dia.

Dei de comer a uma velhota, que já nem me lembro do nome (sim, violei um dos principais princípios da casa: tratar as pessoas pelo nome), nunca mais o tinha feito desde que minha irmã nascera e mesmo assim tinha sido de biberão. Enquanto dava, colher a colher, a sopa à idosa, na minha cabeça surgiu: “Isto nunca mais acaba!”; “Porque é que o babete delas (outras idosas acompanhadas por companheiros meus do Grupo de Jovens) está muito menos sujo que o babete da minha?” e depois veio “Calma, limpa-lhe a boca, deixa ela ir ao seu ritmo, calma!” mas lá vinha à cabeça “Aproveita agora o ritmo dela, encava-lhe o máximo de sopa possível agora!”. Não a afoguei, mas ao longo que a sopa ia rolando na velha boca sem dentes, fui acalmando e tornei-me cuidadoso e atencioso, apesar de desajeitado. O mais cómico: após ter comido a sopa, e como estava sujo, troquei-lhe o babete (apesar do nó ter ficado mal dado, porque nesse momento já nem sabia como se dava um nó) e perguntei com voz alta e firme: “Eu queria o segundo para esta senhora, se faz favor”, e uma voz respondeu-me “Ah, o segundo foi misturado na sopa” – “nunca mais como sopa de cenoura, bifes com cogumelos e arroz!”, pensei eu… O nosso almoço, que foi logo de seguida era: sopa de cenoura, bifes com cogumelos e arroz.

Após a refeição, tocámos algumas músicas antigas; grande parte das senhoras cantou, algumas até vieram de lugares distantes (do fundo do corredor, a uns trinta metros) para ouvir e cantar connosco; mesmo assim, eu continuava sempre numa posição de defesa: sempre com medo que alguma se agarra-se a mim e fizesse alguma coisa. Eu permanecia calado, nem o ar se atrevia a sair da minha boca quando a conseguia abrir.

A Irmã que nos acompanhava disse-nos, no início do dia, que tínhamos de ser criativos. Criativos? Pensei logo: “só se for para fazer acrobacias com as colheres para tentar alimentá-las visto que deve ser difícil para certas pessoas comer com as próprias mãos” – mal sabia eu que tal expressão tinha haver com o tipo de discurso que tínhamos de ter com as doentes, as palavras tinham de ser bem escolhidas. Atenção! Sou especialista em dar graxa aos professores, “sei escolher as palavras”, mas ali dentro não me saiu nenhuma.

Tinha de, supostamente, utilizar essa criatividade no piso 3. Não havia colheres lá. O nosso cérebro tenta sempre procurar semelhanças entre memórias e, o que o meu cérebro encontrou de mais parecido com aquelas pessoas foi uns zombies que eu vi num filme (agora reconheço que é injusto dizer tal coisa!). Apesar de ter sido uns dos contactos mais “paranormais” da minha vida, foi lá que encarei com uma doente. Esta doente encantou-me com os seus olhos, não por serem de um azul intenso ou um verde brilhante, era castanhos, e, provavelmente o tempo escureceu-os – Hei! Não estou apaixonado por ela! – Esses olhos chamaram-me à atenção por parecerem Outono sem folhas e Primaveras sem flores, eram poços sem fundo! Foi a única vez que encarei com uma doente lá dentro.

Reflecti. Confesso que fui egoísta, nunca me despi de mim e nunca tentei ser para aquelas doentes, ser como elas ou ser elas – nunca “desci”. Pensei sempre em mim, o que era melhor para mim – fui vulgar, mas não vulgar na verdade, mas sim na falsidade. Agora, reconheço que nunca “subi”. Nós, os que nos consideramos “normais”, não o somos, porque somos falsos, somos fantasias de nós próprios; mas os que nem sabem a distinção entre “normal” e “anormal” (aos quais chamamos de deficientes) é que são verdadeiros, autênticos, são eles mesmos, um sorrido deles espalha amor, alegria e verdade! O nosso apenas espalha simpatia.

Antes desta reflexão, considerava o Dia Hospitaleiro uma experiência (uma má experiencia), agora, considero-o uma vivência, porque apesar de o ter vivido com egoísmo, ajudou-me a levantar as questões: Passei a conhecer-me? Ou Deixei de me conhecer? Resposta: Deixei de me conhecer.

As pessoas de hoje evitam fazer “voluntariado” com a desculpa de “não ter tempo”, Mas os Antigos dizem “Há tempo para tudo” – é verdadeiro! No fundo, é uma questão de atrevermo-nos a ser genuínos!

Saí do edifício ao fim do dia. Voltarei a entrar? É um jogo que todos devemos jogar.



P.S.: A minha definição de voluntariado: forma de nos conhecer a nós próprios e de atrevermo-nos a ultrapassarmo-nos."



Rúben Ramos, 22 de Fevereiro de 2010

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